quarta-feira, junho 21, 2006

Comentando

Metodologias à parte, o repórter cumpria a pauta do dia, perguntando aos pedestres a forma correta de se designar os aqui nascidos, em vista do falso dilema provocado pelas palavras “muriaense” e “muriaeense”.
A dúvida que, há muitas décadas, foi levantada por um intelectualóide de plantão, caiu no esquecimento e volta agora, com mais força, devido ao aperfeiçoamento dos meios de comunicação de massa.
Surpresa maior, no entanto, foi descobrir que pessoas, aparentemente cultas, têm o mesmo nível de desinformação que o povo em geral, ao se apegarem, de maneira peremptória, ao dicionário ou à gramática, para a elucidação do problema.
Quando João Guimarães Rosa lançou sua obra, tivesse ele ouvido dicionaristas ou gramáticos “fundamentalistas”, seguramente teria rasgado sua obra, jogando-a no lixo...
Uma análise crítica a respeito das palavras que designam os nascidos em Muriaé , mostra que o “muriaeense” soa como pedantismo, uma tentativa de ressuscitar uma grafia só existente nas leis gerais da derivação vocabular e que, histórica e cartorialmente, evoluiu para o consagrado “muriaeense”.
Em verdade, não há dicionário capaz de registrar as figuras de dicção nem as alterações semânticas que sofrem as palavras, no decorrer do tempo, já nos dizia Afrânio Coutinho, de doce lembrança.
Bem mais complexa do que uma simples entrevista é o estabelecimento da grafia e da pronúncia atual de uma palavra pois, para tal, devem ser ouvidos, além dos escritores, as pessoas do povo, através da linguagem de jornais, rádios, TVs, revistas, bem como os cronistas, letristas de composições musicais, comentaristas, os “focas”, os circenses, as donas de casa, e todos aqueles que tornam a língua um ser vivo.
Isto não foi feito quando, na primeira edição, décima quinta impressão, o “aurélio” registra o muriaeense , com dois es e, em pesquisa feita por Dra. Rosanne Pimentel Mannarino, uma das mais brilhantes inteligências desta cidade, ela nos assegura que houve sim, a partir da décima primeira edição do NOVO DICIONARIO DA LINGUA PORTUGUESA, de Aurélio Buarque de Holanda, a inclusão da forma MURIAENSE naquela obra, histórica e cartorialmente consagrada como uma evolução lingüística.
Como Dra. Rosanne, pesquisadores importantes como o museólogo João Carlos Vargas têm o direito de saber e poder registrar, corretamente, o adjetivo pátrio relativo á cidade natal e tal registro só pode ser “muriaense”, apesar dos gramáticos, eles também asseguram.
Há um fato também que mostra a relatividade do dicionário no registro vocabular, ali mesmo, na citada edição do “aurélio”, onde o autor, na página 928, coloca a cidade de Mirai no Estado de Goiás, para tristeza de Ataulfo Alves...
O fato de ter ou não corrigido o engano é irrelevante pois, como falamos , o dicionário e a gramática são um produto da linguagem escrita e falada e, não, o contrário.
Não podemos é aceitar o fato de continuarem a fazer, da língua, um instrumento de dominação a ponto de tentarem impedir, por exemplo que analfabetos possam ser candidatos a cargos eletivos, mas permitirem que ladrões e corruptos possam se candidatar.
A língua, como instrumento de cultura, não pode nem deve inibir a livre manifestação do espírito pois, como está escrito no Livro dos Livros, no Gênesis, ela foi o princípio de tudo!